segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Disciplina discute cultura quilombola em mata do Jardim Botânico da UFJF


Em uma clareira do Jardim Botânico da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora), dezenas de pessoas circulavam mestre Tiana, ansiosos por conhecer um pouco mais sobre a cultura quilombola, seus ritos e práticas. O encontro, ocorrido na manhã desta quarta-feira, dia 6, faz parte do segundo módulo do curso de inverno “Artes e ofícios dos saberes tradicionais”, que tem como objetivo estabelecer um diálogo entre os saberes de matrizes afrodescendentes, indígenas e de práticas agrícolas conservacionistas e a produção do conhecimento acadêmico em diversas áreas. Além de ser um projeto de extensão, o curso equivale também a disciplina de graduação e de pós-graduação.
Com o tema “Cultura quilombola, resistência em festa”, o módulo, que segue até sexta-feira, dia 8, aborda conhecimentos ligados a noções de corpo, saúde, cura e doença, natureza, cultura e história a partir das experiências quilombolas. Em meio a tambores, fogueira e cânticos, Sebastiana Geralda Ribeiro da Silva, presidente da Associação Quilombo Carrapato da Tabatinga, situada em Bom Despacho (MG), compartilhou um pouco do que aprendeu ao longo de seus 82 anos, 67 deles atuando como “mestre”, ofício que herdou do avô, aos 15 anos.

Mestre Tiana falou de dança, arte, desenhos, culinária, vestuário, sempre com muita humildade. “Não sou professora e não vim aqui para ensinar nada, apenas para passar esperança a todos.” Ela também destacou a importância do intercâmbio de saberes entre membros da academia e integrantes da cultura quilombola do país. “Acho impressionante que hoje as pessoas estão parando para nos ouvir. Sempre fomos considerados uma cultura ‘inferior’ e hoje as pessoas estão dando mais valor a essa diversidade. Se fôssemos ouvidos desde o início, certamente seríamos um país mais preservado.”
De acordo com Carolina dos Santos Bezerra-Perez, professora do Colégio de Aplicação João XXIII e uma das responsáveis pela organização do módulo, juntamente com o professor Leonardo Carneiro (Geografia), o principal objetivo foi trazer mestres da cultura afrobrasileira para disponibilizar saberes que muitas vezes não aprendidos na academia. Ainda segundo ela, um importante passo foi dado com a sanção da Lei 10.639, que torna obrigatório o ensino da história e cultura afrobrasileira e africana em todas as escolas, do ensino fundamental ao ensino médio. “É preciso desconstruir os preconceitos relativos à cultura negra e conhecer os valores civilizatórios desses grupos. Precisamos formar profissionais com outra sensibilidade.”
A roda também contou com a presença de Paulo Rogério da Silva, de Miracema (RJ) e Jeferson Alves de Oliveira, do grupo de Quilombolas do Tamandaré-Guaratinguetá (SP), que apresentaram um pouco do jongo, dança de origem africana dançada ao som de tambores como o caxambu.

Sobre o curso
Segundo o professor e coordenador do “Artes e ofícios dos saberes tradicionais”, Daniel Pimenta, 80 pessoas participam do curso de inverno, sendo 50 deles de variadas áreas da graduação, cinco da pós-graduação e 25 alunos de fora da UFJF. “Conseguimos alcançar nosso objetivo que era promover um debate interdisciplinar sobre essa cultura popular que muitas vezes não é ensinada nas universidades.” A previsão é de que um novo curso seja criado no próximo semestre, desde que haja demanda. Para este, não há mais possibilidade de participação, já que as inscrições estão encerradas.
O curso termina na próxima semana (11 e 15 de agosto), com o módulo “Cultura indígena na brisa da cura”, que contará com a presença dos mestres indígenas Ailton Krenak e Álvaro Tukano. Neste módulo, os estudantes terão acesso a vários aspectos das culturas de variadas etnias indígenas, abordando suas diversidades filosóficas, religiosas, artísticas e medicinais. Em uma nova roda de conversa, será discutida a preservação dos valores ancestrais e pré-colombianos, que permanecem vivos através da oralidade, e a luta pela resistência espiritual à pressão da atual civilização. Está previsto um novo encontro no Jardim Botânico, em data a ser definida.
O curso foi incluído primeiramente na grade da Universidade de Brasília (UnB), disponibilizado por iniciativa do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Inclusão no Ensino Superior e na Pesquisa (INCTI), que faz parte do programa de Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Diante dos dos resultados positivos obtidos, o Ministério da Cultura, juntamente com Ministério de Ciência e Tecnologia, disponibilizou uma linha de financiamento para que outras cinco universidades pudessem levar essa experiência a seus alunos e a UFJF foi uma das contempladas.
Fonte: Site UFJF
Fotos: Géssica Leine

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